Educação Alimentar e Nutricional, Sistemas Alimentares e Sustentabilidade: questões urgentes
- Por Aline R. Rodrigues
- 11 de out. de 2018
- 4 min de leitura
Como falar de nutrientes para quem não tem o que comer? Como falar de nutrientes para quem faz uma refeição sem a certeza da próxima? O que você considera uma refeição? Como falar de nutrientes para quem não sabe cozinhar?

Por Aline R. Rodrigues

Nosso sistema alimentar está exaurido. Apesar de hoje supostamente nosso problema não ser mais a produção de alimentos – tendo em vista que temos capacidade para produzir alimentos suficientes para toda humanidade – , o alimento ainda não está na mesa de muitos e aqueles [alimentos] que estão, precisam de um olhar muito mais criterioso, precisam de um: “que alimento é esse que estamos consumindo?”. Além disso, o transporte a grandes distâncias, as condições das estradas rurais, o uso exorbitante de agrotóxicos e aditivos, o alto custo para produção, tanto de recursos naturais quanto não naturais, a falta de soberania alimentar e, principalmente, a fome que assola boa parte da população brasileira são pontos de abordagem necessária e urgente. Falar de educação alimentar e nutricional sem pensar em todos esses vieses é categorizar essas ações em mero nutricionismo e esquecer o arcabouço do que significa o ato de se alimentar.
Nutrição é pouco para debater este assunto, a alimentação vêm à tona, os hábitos alimentares em mudança constante, as inúmeras dificuldades de acesso à comida, as facilidades de obtenção de ultraprocessados em uma sociedade globalizada versus o abandono do ato de cozinhar e ingerir alimentos tradicionais alterando nosso modo de ver o consumo de alimentos. A agricultura familiar, grande responsável pela produção de alimentos de base, com qualidade e diversidade, sofre com a dificuldade de manter-se fiel à sua proposta, produzir uma boa gama de alimentos, em pequenas propriedades, com mão de obra prioritariamente familiar, com pouco ou nenhum uso de agroquímicos, com pouco ou nenhum incentivo financeiro, com pouca ou nenhuma visibilidade. Comercializar, diversificar, colher, plantar, processar, embalar, seguir normas sanitárias complexas. Certamente não sobra tempo para refletir acerca do sistema alimentar vigente, monopólios alimentares, commodities e políticas públicas. Sobra tempo apenas para perceber que a situação de miserabilidade das comunidades rurais tradicionais só aumenta, assim como o afastamento das questões das populações campesinas.
Apesar de o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) e a garantia à Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) estarem diuturnamente sendo discutidas em políticas públicas, poucas são as ações propostas para dar maior visibilidade às questões verdadeiramente relacionadas. Aprovada ainda neste ano de 2018, a proposta de inclusão de ações de EAN no currículo escolar gerou manifestações de apoio e burburinho dentre nutricionistas. Ledo engano achar que somente estas ações, que já vem sendo praticadas em diversos estados como uma demanda oriunda das diretrizes do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) poderão mudar o panorama da fome, além de alterarem de maneira drástica as práticas alimentares das famílias brasileiras. Falta de acesso ao alimento, falta de tempo para encaixar o ato de se alimentar de maneira adequada nas mais de 12 horas entre o deslocamento para o trabalho da maior parte da população, os sistemas precários de transporte, a falta de feiras e locais de comercialização de produtos provenientes da agricultura familiar em regiões periféricas, o alto custo do gás, entre outros tanto entraves não coadunam com as lições aprendidas em sala de aula. Prefira estes alimentos, evite estes... a realidade da maioria das famílias brasileiras é a de “coma o que tiver para comer”.
Negar a multifatorialidade do ato de se alimentar, negar que o ato de se alimentar é negligenciado a uma grande ala da população, negar que as escolhas alimentares não dependem somente da sapiência acerca dos nutrientes que compõem este ou aquele alimento, faz com que as ações praticadas por profissionais relacionados a este assunto fiquem no limbo da informação nutricional. Comida de verdade fala uma linguagem que todos conseguem entender: estamos saturados de carboidratos, gorduras trans e micronutrientes! Ainda mais sabendo que as grandes indústrias usam as informações nutricionais como grandes aliadas mercadológicas, para promover o consumo de alimentos que julgamos ser necessários para alcançar o tão almejado combo “saúde & qualidade de vida”, já deveríamos duvidar que somente este tipo de informação fosse capaz de sanar problema tão profundo e multifatorial.
O aumento dos índices de sobrepeso e obesidade, aliada à desnutrição velada por falta de acesso aos alimentos de qualidade também é outro fato alarmante. Estudos da ONU já indicam o aumento de obesidade em populações africanas antes extremamente desnutridas. Realidade que não se afasta demasiadamente daquela encontrada no Brasil. Passamos do panorama majoritário da desnutrição, pulamos a eutrofia e já chegamos na obesidade, sem ao menos observar os meios de consumo por nós praticados. Ter dinheiro é ter acesso ao alimento, principalmente em população de áreas grandemente urbanizadas, onde a moeda é o único meio para aquisição de alimentos. Quem tem pouco dinheiro, logo, acaba tendo que equilibrar a balança dos gastos, e sabemos que as escolhas mais baratas e supostamente atrativas normalmente não são as mais adequadas. O direito à alimentação adequada não está tão presente aqui quanto se costuma dizer, a fome está mais presente na pauta do que os direitos humanos.
Sendo assim, cada ser humano terá que tomar parte neste panorama, e nutricionistas ainda mais. Produzir em pequena escala, em seu apartamento, quintal ou canteiro público uma dose de alimentos naturais, para dar vazão a grande demanda que é a alimentação humana diária, praticando outros meios de comercialização ou aquisição que fuja do convencional “money for all”. Sustentabilidade. Sustentar. Criar essa rede/malha por onde todos possam circular e, assim sendo, tornar a malha mais forte e mais longa, com ajuda mútua que fortaleça o ato necessário e indispensável de alimentar o mundo de uma maneira mais igualitária e justa. E inserir nas ações de EAN muito mais do que conhecimentos sobre nutrientes, fomentar conhecimentos mais amplos acerca do ato social de se alimentar. Eis algo que precisamos problematizar!
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