Estante contra o tédio
- Joralima
- 20 de jun. de 2019
- 4 min de leitura

Por Jorge de Lima
Quando se sai de uma cidade gigante como São Paulo, com seus mais de 10 milhões de habitantes, qualquer outro lugar é menor. No meu caso, troquei a metrópole por uma pequena cidade do litoral sul de São Paulo – que, verdadeiramente, como eu vivo repetindo, se parece com uma cidadezinha do interior com vista para o mar. Tem as praças, os velhinhos, as escolas, as igrejas, os cachorros, as casas com jardim e... o Atlântico.
Não sou geógrafo e tampouco estatístico, apenas prolixo (com uma enorme mania de não ir direto ao ponto). Apesar dessas linhas iniciais sobre demografia, no fundo, quero falar das minhas potenciais leituras de cidade do interior e de um livro que eu finalmente terminei de ler, retirado dentre umas duas ou três centenas de livros reservados para quando eu estiver com mais tempo, com mais calma e com alguma dose de tédio. Feliz ou infelizmente, isso ainda não me aconteceu... De modo que demorei quase um ano inteiro para terminar a leitura das meras 200 páginas do livro “A história do mundo para quem tem pressa”, escrito por Emma Marriot, traduzido por Paulo Afonso e publicado pela Editora Valentina.

A demora em ler, certamente, é culpa minha, pois o texto é bem rápido: no decurso de uma única página, por vezes, se percorre mais de um século de história! A leitura é agradável e, presumivelmente, didática: quando oportuno, o próprio texto indica que um tal assunto foi tratado com um pouquinho mais de profundidade em outra página do livro – para frente ou para trás do ponto em que se está.
A edição também conta com um índice remissivo que pode ajudar aqueles que, tendo ainda mais pressa, querem ir direto ao assunto (não é o meu caso, como já dito). O que seria um verdadeiro pecado, pois a obra não é grande e seu encadeamento acaba sendo mais bem aproveitado quando a leitura não é fragmentada. Lendo-o de capa a capa, é possível chegar à mesma conclusão que eu cheguei: o conteúdo do livro me fez acreditar que as guerras, as vontades irrefreáveis de certos líderes e, por fim, os embates militares entre as diversas culturas foram os grandes responsáveis pela montagem deste enorme painel da história da humanidade.
Evidentemente, usar os conflitos como eixo norteador do texto deve ter sido uma escolha

metodológica da autora, dentre tantas outras possíveis. Funcionou! Há outras formas, claro. Por exemplo: tenho para ler, nesta minha fila que nunca anda, “História da riqueza do homem”, de Leo Huberman. Se entendi bem o que me disse o amigo que me indicou o livro, esta obra, diferentemente do livro de Emma Marriot, não está calcada nos conflitos bélicos, mas sim nos aspectos econômicos da história. São mais de 300 páginas, numa letrinha miúda (edição de 1970, da Zahar Editores – Rio de Janeiro), mas que deve ser interessante, pois já tropecei em várias edições dessa obra nas minhas andanças por aí...
Antes de enfrentar Leo Huberman – que já esperou tanto tempo – quero terminar de ler “Filosofia em 60 segundos”, livro com pouco menos de 150 páginas, escrito por Andrew Pessin e publicado pela Texto Editores (com tradução de Marcelo Barbão). Até onde li,

parece ter um texto bem gostoso e bem ágil. Ao que parece, o livro é a respeito dos grandes temas sobre os quais os filósofos tradicionalmente se detêm – como a noção de certo ou errado, o tempo, a vida ou a existência de Deus – porém, quase no formato do gênero de autoajuda, de maneira a fazer a compreensão desses temas emergir de dentro do leitor. Ler o texto, portanto, pode acabar proporcionando certa paz de espírito, como se fosse um tipo de ioga mental – se esse resultado for “iogamente” possível, claro.
E, se Deus quiser – e se as inúmeras redações de alunos para corrigir me permitirem –, quero terminar de ler “Por que (não) ensinar gramática na escola”, escrito por Sírio Possenti. Meu exemplar é de uma edição um pouco descuidadinha. Certamente, já deve ter uma nova – pois esta minha é de 1998 e saiu pela editora Mercado de Letras. É um livro curtinho, com menos de 100 páginas, que já comecei a ler umas duas ou três vezes, por conta de o intervalo de leitura ter ficado muito longo e de eu ter perdido o fio da meada. Interessantemente, as páginas deste livro acabam servindo-me como um “de-vez-

enquandário” (um diário irregular), pois nelas tenho encontrado, servindo como marcadores, alguns recibos de compras, uns bilhetes e toda a sorte de pequenos papéis que utilizei para assinalar o ponto de parada na leitura. Também me mostram que eu já fui um leitor que rabiscava os livros, assinalando pequenos trechos a lápis e fazendo curtos apontamentos em suas margens – não vejo nenhum crime nisso, se for em um exemplar particular – embora eu confesse que a prática possa atrapalhar a vida do livro, se ele for passado para frente.
Nem vou me aprofundar no que, inocentemente, eu fiz ao procurar um pequeno texto para ser lido em sala de aula: abri a “Caixa de Pandora dos Livros”. Comecei a ler o primeiro dos dois volumes de “As mil e uma noites” e fiquei irremediavelmente preso nas histórias da esperta Sherazade (numa belíssima edição prefaciada por Malba Tahan, publicada pela Nova Fronteira, a partir da versão de Antonie Galland, traduzida por Alberto Diniz, com 1.088 páginas). Foi uma luta fechar suas páginas e ir para cama já de madrugada. O livro é magnético e eu finalmente entendi por que sua fama tem atravessado os séculos. Só não sei quando eu conseguirei terminar de o ler, nesse meu ritmo de quelônio terrestre.
Pelo arrastar da carruagem, tudo indica que vou precisar crer na vida após a morte para dar conta de ler esta minha tal “pequena biblioteca para os dias de tédio” – ou vou ter que me mudar para uma cidade ainda menor, que não tenha absolutamente nada que possa me distrair: flores, praças, alunos, mar, ondas indo, ondas vindo, vento no rosto...
Itanhaém, 19/04/2019.
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