À guisa de nota de rodapé
- Joralima
- 15 de fev. de 2020
- 3 min de leitura

Por Jorge de Lima
Tenho acompanhado com relativa atenção a participação dos militares na gestão do governo federal. Longe de mim questionar a capacidade técnica dos vários brasileiros indicados para os altos postos de comando da nação, pois é uma prerrogativa do mandatário se cercar de quadros capacitados e, acima de tudo, de pessoas da sua confiança. Porém, achei interessante que a Casa Civil – ministério que traz em seu nome a palavra “civil” – ser ocupada por um militar, conforme foi anunciado nesses dias.
Tal fato, claro, não é inédito e nem gratuito – o então ministro, no cargo desde o começo do atual mandato, não se mostrou efetivamente talhado para o cargo, de modo que, aos poucos, suas funções foram sendo desidratadas. Porém, a ocorrência anterior de um militar ocupando o posto relembra um período de famigerada memória, por corresponder aos longos vinte anos da conhecida ditadura militar (ou qualquer que seja o nome que se queira dar para o interstício 1964-1985 no qual não tivemos eleições gerais regulares).
Ocorre que, aos poucos, os militares estão sendo chamados para ocupar relevantes posições que lhes são historicamente estranhas.
A situação não começou agora, claro está. A presidente Dilma Rousseff convocou os militares, por exemplo, para a “guerra contra a dengue”. Lembro-me de ter recebido, na porta de casa, naquela época, um militar educadíssimo – e muito elegante em seu vistoso fardamento da Marinha – trazendo-me um minúsculo, mas coloridíssimo, folheto com informações sobre o mosquito as quais eu já estava careca de saber (eu sigo careca desde então).
No governo Michel Temer, a necessária, mas insuficiente, intervenção federal na área de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro contou com a liderança de um militar que já tinha sido a maior autoridade federal na organização dos Jogos Olímpicos – esse general, inclusive, é o mesmo que deverá ocupar o posto de ministro-chefe da Casa Civil. Também naquela época, o ministro Dias Toffoli imbuiu um militar de ocupar uma estranha assessoria na cúpula do judiciário brasileiro – um brilhante militar que, aliás, é o atual ministro da Defesa.
Compreensivelmente, por ser liderada por uma dupla (presidente e vice-presidente) de militares, a gestão federal passou a contar com membros das Forças Armadas em quadros importantes dos órgãos públicos.
Todavia, recentemente, o comandante-em-chefe das Forças Armadas entendeu que a crise no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) deveria ser combatida com militares da reserva – sendo que os próprios órgãos públicos federais contam com um contingente nada insignificante de 712 mil servidores. Também estão sendo empregados militares no término de rodovias, na construção de pontes e em demais obras de infraestrutura. Por último, ante ao pandemônio da Covid-19, doença causada pelo mais recentemente identificado membro da família do coronavírus, o nCoV-2019, o governo colocou sob os cuidados dos militares todos os repatriados (egressos do epicentro da doença na China) e também a equipe médica que os atende.
As missões, como era de se esperar, dada à excelência da instituição, têm sido cumpridas com o devido apuro técnico. Todavia, minha tola, inútil e nada especializada preocupação é de que, pelas beiradas, possamos chegar a duas importantes situações.
A primeira delas é constatar que, enquanto sociedade, não nos capacitamos para ter outras instituições, exceto as Forças Armadas, preparadas para gerir os grandes (médios e pequenos) problemas nacionais. Seria o mesmo que reconhecer que estamos há 500 anos fazendo tudo errado – o que seria uma verdadeira contradição, justamente agora que deixamos, espontaneamente, o grupo dos países em desenvolvimento e nos inserimos no grupo dos países desenvolvidos...
A segunda situação, talvez revestida de um certo verniz conspiratório, fruto de temores pretéritos fartamente documentados, seja intranquilamente hipotetizar que alguém em algum lugar e com algum propósito esteja preparando terreno, ocupando espaços, ditando rumos... Será?
Longe de mim, repito-me, negar os relevantíssimos serviços prestados por uma instituição que goza do apreço e da confiança de toda a sociedade brasileira – instituição, aliás, na qual tenho queridos amigos. Porém, nessas horas de excessivas certezas de que está tudo absolutamente sob controle, gosto sempre de me lembrar de um pensador – se não me engano, o abolicionista estadunidense Wendell Phillips (1811-1884) – ao qual tem sido atribuída a seguinte frase: “o preço da liberdade é a eterna vigilância”.
Fica a dica.
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