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Boyd Swinburn: "O produto que a indústria de alimentos vende é a dúvida"

  • ONutricional
  • 20 de mai. de 2018
  • 4 min de leitura

O pesquisador Boyd Swinburn diz que pressão dos fabricantes atrasa políticas públicas para conter obesidade e doenças crônicas

Por João Peres. Do Blog O Joio e o Trigo:

Boyd Swinburn entende que passou da hora de colocar a indústria de alimentos ultraprocessados nos trilhos. O professor de Nutrição Populacional e Saúde Global da Universidade de Auckland, na Nova Zelândia, usa a expressão “sindemia” para descrever o que está ocorrendo. Não estamos mais falando de uma epidemia de obesidade, mas da junção de uma série de problemas que passam a agravar um ao outro. Diabetes, doenças do coração, câncer: três dos maiores fatores de mortalidade no mundo têm associação com a obesidade – embora possam também estar ligados a outros fatores. Para ele, o discurso impulsionado pela indústria de que a conscientização do consumidor tratará de resolver o problema é simplista. E desigual, na medida em que quem pode mais passa a comprar alimentos de melhor qualidade.

Em abril, o professor passou por Brasília para participar do Congresso Brasileiro de Nutrição (Conbran). Ele falou sobre um de seus interesses fundamentais: formular, identificar e monitorar políticas públicas que funcionem. Swinburn é um dos nomes à frente do INFORMAS, uma rede de organizações e pesquisadores voltados a essa finalidade. Afinal, se a obesidade se tornou um problema global, se as empresas são as mesmas mundo afora, é possível que a solução aplicada aqui também faça sentido acolá, ainda que com adaptações.

Uma das possibilidades no momento é usar a rotulagem frontal dos alimentos para desestimular o consumo de produtos não saudáveis. Há uma série de modelos, mas Swinburn reiterou em Brasília o apoio ao sistema defendido pela Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável. A ideia é colocar sinais que alertem o consumidor sobre o excesso de sal, açúcar, gorduras e gorduras saturadas, além de acusar a presença de edulcorantes e gorduras trans. A tarefa de convencimento dos formuladores de políticas se torna mais difícil quando há um interesse que se sobrepõe à saúde pública. “O produto que eles vendem é a dúvida. A indústria do cigarro se valeu disso durante muito tempo, e agora a indústria de alimentos se tornou especialista em semear a dúvida na ciência”, critica.

Você disse que não há uma solução mágica. Mas sabemos o que pode ser mais efetivo em lidar com a epidemia de obesidade? Boyd Swinburn: A análise do que foi feito até aqui sobre modelos mostra que o mais eficiente são políticas públicas. Impostos sobre bebidas adoçadas, restrições na publicidade de alimentos, políticas alimentares em escolas e ambientes públicos. Geralmente, políticas públicas custam muito menos do que programas governamentais. E, no nível de política pública, você atinge toda a população, enquanto um programa é direcionado a um segmento.

Esse debate sobre políticas regulatórias está avançando rapidamente no mundo. O que tem promovido essa aceleração?

Boyd Swinburn: Há um enorme impulso da OMS e da sociedade civil, de acadêmicos, de formuladores de políticas públicas. Mas também há uma enorme reação da indústria de alimentos. Eles têm bolsos muito profundos e habilidade para converter poder econômico em poder político para garantir que as políticas implementadas não prejudiquem seus lucros. Isso é o que temos no momento.

Os políticos estão espremidos no meio, com um grupo dizendo que precisamos de políticas públicas e outro grupo dizendo que não. Os políticos tendem a ficar assustados quando há dois grupos muito significativos batendo à porta, e acabam por congelar a ação. Então, quase nenhum país tem avançado rapidamente no campo político. O Chile fez o maior progresso porque tinha um ministro e um senador dando realmente duro para fazer a política ser implementada.

Já que você falou do Chile, temos visto um grande esforço da indústria em mostrar que essas políticas não estão funcionando. Como você vê esses esforços? Boyd Swinburn: Essa é uma tática clássica das indústrias. Desacreditar as evidências. O produto que eles vendem é a dúvida. A indústria do cigarro se valeu disso durante muito tempo, e agora a indústria de alimentos se tornou especialista em semear a dúvida na ciência. As linhas clássicas que usam são de dizer que não existe evidência de que determinada política será efetiva em reduzir a obesidade.

O que fizeram no México, por exemplo, foi selecionar alguns dados para dizer que a taxação de refrigerantes não está funcionando. Não importa que os dados completos nunca tenham sido divulgados, nem que esse tipo de conclusão não tenha sido submetido a uma revisão pelos colegas. No Chile estão fazendo o mesmo. E no Brasil.

Você falou algumas vezes sobre o Guia Alimentar Brasileiro. Qual sua opinião geral sobre o Guia? O que poderia ser melhor? Boyd Swinburn: Quando eu vivia na Austrália, tínhamos um trabalho sobre sustentabilidade e colocamos no guia alimentar. Houve uma grande briga por alguns anos e a indústria ganhou. Todo o trabalho sobre sustentabilidade foi jogado fora, não foi incluído. Tentamos e perdemos. Os Estados Unidos tentaram e perderam. Mas o Brasil venceu. E agora é um modelo mundial para guias alimentares. O desafio é implementar e levar todas as políticas públicas na direção de incluir as dimensões social e ambiental. Falar sobre educação alimentar. Fazer publicidade social voltada à alimentação saudável.

No Brasil e em outras partes do mundo há uma demanda crescente por alimentos frescos, mas muitas vezes isso acaba por não ser acessível a classes baixas. Como fazer com que essa demanda não crie uma nova faceta da desigualdade? Boyd Swinburn: Se você não faz nada, e a obesidade continua nas manchetes dos jornais, as pessoas que ganham dinheiro suficiente, que têm bom acesso a informação, que têm tempo para lidar com isso, vão procurar um estilo de vida mais saudável. Isso fará crescer a desigualdade.

Então, para evitar que isso aconteça, é preciso ter políticas específicas pró-igualdade, como subsídios para os mais pobres e impostos sobre bebidas adoçadas. Esses impostos atingem de maneira mais dura os mais pobres porque têm um impacto maior no bolso. Políticas que restringem o marketing de fast-food e a oferta de fast-food no entorno das escolas. Você pode decidir que não haverá McDonald’s próximo a uma escola de baixa renda. As políticas precisam facilitar às pessoas pobres fazer escolhas saudáveis.

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