James Heckman e a importância da educação infantil
- Por ONutricional
- 12 de out. de 2017
- 7 min de leitura
Via Fronteiras do Pensamento. Originalmente publicado no site da Revista Veja. Por Monica Weinberg
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Investir no desenvolvimento de crianças na primeira infância pode ser mais eficiente no combate à desigualdade do que políticas de distribuição de renda. A tese é do Nobel de Economia James Heckman, que veio ao Brasil para o evento “Os desafios da primeira infância – Por que investir em crianças de zero a 6 anos vai mudar o Brasil”.
“Finanças públicas são limitadas e devemos usá-las de forma muito eficiente”, diz Heckman. Na opinião do economista, o investimento no desenvolvimento cognitivo de crianças entre 0 e 6 anos é mais eficiente como forma de combate à desigualdade e incentivo à mobilidade social do que mecanismos tradicionais, como a distribuição de renda de ricos para pobres.
A justificativa para isso é que durante a primeira infância o cérebro das crianças está se desenvolvendo em ritmo acelerado. Para o economista, nessa fase é preciso foco por parte do sistema educacional e das famílias. Nesse sentido, seria crucial que famílias conhecessem melhor o desenvolvimento infantil. “A maioria dos pais tem boas intenções, mas não tem o conhecimento”, afirmou.

O caminho deve ser trilhado, de acordo com Heckman, com auxílio do setor privado e de governos. O economista acredita que o setor privado, por mais que invista, não será capaz de mudar esse jogo – por isso, diz, é preciso que governos mudem a forma como encaram a educação na primeira infância. Para o setor privado, portanto, fica como papel auxiliar governos na elaboração de políticas de educação.
O norte-americano é reverenciado tanto em sua área de origem, a economia – que lhe rendeu o Prêmio Nobel em 2000 –, como na educação, que ele investiga com a curiosidade de quem ama calcular. Heckman criou métodos científicos para avaliar a eficácia de programas sociais e vem se dedicando aos estudos sobre a primeira infância – para ele, um divisor de águas. Em entrevista, ele explica que investir nos anos iniciais das crianças é o caminho para o país crescer.
Por que os estímulos nos primeiros anos de vida são tão decisivos para o sucesso na idade adulta?
James Heckman: É uma fase em que o cérebro se desenvolve em velocidade frenética e tem um enorme poder de absorção, como uma esponja maleável. As primeiras impressões e experiências na vida preparam o terreno sobre o qual o conhecimento e as emoções vão se desenvolver mais tarde. Se essa base for frágil, as chances de sucesso cairão; se ela for sólida, vão disparar na mesma proporção. Por isso, defendo estímulos desde muito cedo.
Quão cedo?
James Heckman: Pode parecer exagero, mas a ciência já reuniu evidências para sustentar que essa conta começa no negativo, ou seja, com o bebê ainda na barriga. A probabilidade de ele vir a ter uma vida saudável se multiplica quando a mãe é disciplinada no período pré-natal. Até os 5, 6 anos, a criança aprende em ritmo espantoso, e isso será valioso para toda a vida. Infelizmente, é uma fase que costuma ser negligenciada – famílias pobres não recebem orientação básica sobre como enfrentar o desafio de criar um bebê, faltam boas creches e pré-escolas e, sobretudo, o empurrão certo na hora certa.
Qual é o preço dessa negligência?
James Heckman: Altíssimo. Países que não investem na primeira infância apresentam índices de criminalidade mais elevados, maiores taxas de gravidez na adolescência e de evasão no ensino médio e níveis menores de produtividade no mercado de trabalho, o que é fatal. Como economista, faço contas o tempo inteiro. Uma delas é especialmente impressionante: cada dólar gasto com uma criança pequena trará um retorno anual de mais 14 centavos durante toda a sua vida. É um dos melhores investimentos que se podem fazer – melhor, mais eficiente e seguro do que apostar no mercado de ações americano.
Se isso é tão claro, por que a primeira infância não está na ordem do dia de quem tem a caneta na mão para decidir?
James Heckman: Há ainda uma substancial ignorância sobre o tema. Algumas décadas atrás, a própria ciência patinava no assunto. A ideia que predominava, e até hoje pesa, é que a família deve se encarregar sozinha dos primeiros anos de vida dos filhos. A ênfase das políticas públicas é na fase que vem depois, no ensino fundamental. E assim se perde a chance de preparar a criança para essa nova etapa, justamente quando seu cérebro é mais moldável à novidade.
A classe política também evita olhar para a primeira infância por achar que esse é um investimento menos visível a curto prazo?
James Heckman: Os políticos podem, sim, considerar isso, mas estão redondamente enganados. Crianças pequenas respondem rápido aos estímulos de qualidade. Para quem tem o poder de decidir, deixo aqui a provocação: não investir com inteligência nesses primeiros anos de vida é uma decisão bem pouco inteligente do ponto de vista do orçamento público. Basta usar a matemática.
O que mostra a matemática?
James Heckman: Vamos pegar o exemplo da segurança pública. Há ao menos dois caminhos para mantê-la em bom patamar. Um deles é contratar policiais, que devem zelar pelo cumprimento da lei. O outro é investir bem cedo nas crianças, para que adquiram habilidades, como um bom poder de julgamento e autocontrole, que as ajudarão a integrar-se à sociedade longe da violência. Pois a opção pela primeira infância custa até um décimo do preço. Recaímos na velha questão: prevenir ou remediar? Como se vê, é muito melhor prevenir.
O senhor pode soar fatalista: ou bem a criança é estimulada cedo ou terá perdido uma oportunidade única para o aprendizado?
James Heckman: A discussão realmente abre uma margem para essa interpretação, mas não é bem isso. A mensagem jamais pode ser: depois dos 5 anos, já era. Desde que a criança esteja vivendo em sociedade, ela vai aprender. Existe na espécie humana uma extraordinária capacidade de se beneficiar do ambiente. Só não podemos deixar de encarar o fato de que uma criança que tenha sido alvo de elevados incentivos conquistará uma vantagem para o resto da vida. De outro lado, quanto mais uma criança fica para trás, mais dificuldade ela terá para preencher as lacunas do princípio.
O senhor discorda então de uma ala de cientistas que vê as chamadas janelas de oportunidade para o aprendizado como algo mais definitivo?
James Heckman: Acho que há exagero nesse campo: é como se tivéssemos no cérebro janelas que se abrem por inteiro numa fase e se fecham por completo em outra. Dito isso, há, sim, momentos mais favoráveis para a aquisição de certos conhecimentos: se quiser falar um idioma sem sotaque, é mais apropriado começar aos 8 do que aos 16 anos.
A propósito dos 8 anos, o economista Adam Smith (1723-1790) dizia que as crianças eram todas essencialmente iguais até essa idade. O senhor concorda?
James Heckman: Não. Smith tinha uma visão idealista segundo a qual todos seríamos iguais por natureza até esse ponto da vida e, só aí, começaríamos a nos diferenciar uns dos outros. Mas a ciência já deixou claro que há capacidades inatas que nos distinguem, como a noção espacial ou a habilidade numérica ou ainda o talento para piano, artes e xadrez. Reconhecê-las e incentivá-las cedo torna-se uma vantagem.
Que tipo de política pública de primeira infância tem surtido mais efeito?
James Heckman: O grande impacto positivo vem de programas que conseguem envolver famílias pobres, creches e pré-escolas, centros de saúde e outros órgãos que, integrados, canalizam incentivos à criança – não só materiais, evidentemente. O programa americano Perry, da década de 60, é um exemplo clássico de que o investimento em uma boa pré-escola produz ótimos resultados.
Por que esse modelo é bom?
James Heckman: Ele envolve ativamente os alunos em projetos de sala de aula, lapidando habilidades sociais e cognitivas, sob a liderança de professores altamente qualificados. A família mantém um estreito elo com a escola. Temos de ter sempre certeza de que a família está a bordo, qualquer que seja a iniciativa.
Não é irrealista esperar tanto de famílias que vivem na pobreza, como no Brasil?
James Heckman: Um bom programa de primeira infância consegue ajudar a família inteira, fazendo chegar até ela informações, boas práticas e valores essenciais, como a importância do estudo para a superação da pobreza.
Pesquisas brasileiras mostram que muitas crianças que frequentam creches e pré-escolas acabam se saindo pior nos primeiros anos de estudo do que outras que ficam em casa. O resultado o espanta?
James Heckman: Não. Já vi estudos que chegaram a conclusão idêntica nos Estados Unidos, no Canadá e na Europa. Trata-se de uma questão sem resposta absoluta: tudo depende do tipo de incentivo que a criança tem em casa e daquele que receberá na creche. Não é que a escola faça mal, mas é preciso indagar: onde a criança tem mais a ganhar ou menos a perder?
O que o Brasil pode aprender com a experiência internacional?
James Heckman: Os programas de maior retorno são justamente aqueles que se apoiam em uma rede e, através dela, levam às famílias toda sorte de incentivos, de diferentes áreas que convergem. Aliás, o Brasil tem uma vantagem aí: o sistema público de saúde alcança todos os cantos e pode funcionar como ponto de partida para essa rede de estímulos. O país também deveria prestar atenção na qualidade dos professores: países como a Finlândia souberam valorizar a carreira docente – não apenas no salário, que fique claro – e colheram grandes resultados na educação desde cedo.
Existe um debate no Brasil sobre a extensão da licença paternidade – a lei brasileira garante hoje apenas cinco dias ao pai. O senhor é a favor?
James Heckman: O princípio de o pai ter a chance de estreitar laços com o filho desde o começo é bem-vindo. Os benefícios vão depender, porém, de como esse tempo será efetivamente aproveitado.
O senhor é um dos precursores de uma discussão que agora está em alta nas rodas educacionais: o desenvolvimento de habilidades socioemocionais. É possível mesmo ensiná-las?
James Heckman: Sim, na escola e em casa. O grande erro nesse debate é tratar tais habilidades – autocontrole, resiliência, trabalho em equipe – como algo que não tem nada a ver com as habilidades cognitivas, o aprendizado das matérias propriamente ditas. Não existe essa fronteira. O bom professor está sempre ensinando as duas: ao aprender a ler e a soletrar as palavras, a criança interage com amigos, forma vínculos, lida com emoções ligadas ao sucesso e ao fracasso – enfim, aprende a se comunicar de forma ampla.
Por que tantos educadores torcem o nariz quando se fala em habilidades socioemocionais?
James Heckman: Eles ainda estão aferrados à ideia obsoleta de que inteligência se resume a QI, um conceito de cinquenta anos atrás que não evoluiu com o mundo.
Ler para a criança desde cedo está no rol dos grandes incentivos de efeito comprovado pela ciência. Por que isso é tão poderoso?
James Heckman: Porque estimula ao mesmo tempo o gosto pela leitura, a capacidade de comunicação e a curiosidade para adquirir conhecimento. Se nada der errado, isso se desdobrará por toda a vida.
O incentivo dos pais pode virar exagero?
James Heckman: Observo em famílias de classes mais altas uma tendência à proteção exagerada dos filhos. Considero isso um erro. Todo mundo deve experimentar não só as vitórias como também os fracassos. São eles, afinal, uma fonte essencial para o aprendizado.
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