Importância das emoções na aprendizagem: uma abordagem neuropsicopedagógica. Parte 3
- Por ONutricional
- 13 de jun. de 2017
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Por Vitor da Fonseca
Professor Catedrático e Agregado da Universidade de Lisboa, Consultor Psicopedagógico, Oeiras, Portugal
Artigo reproduzido da Revista de Psicopedagogia, 33 (102), 2016 (On line)
A emoção e a cognição incorporam-se na aprendizagem
A emoção envolve processos de atenção, sensação, apreensão, excitação, propensão, inclinação, predileção, gosto, sensibilidade, focagem, intuição, preferência, impressão, receio, suspeição, susceptibilidade, pressentimento, ideação, premunição, consciencialização, etc., porque joga com ganhos e perdas, desafios ou ameaças, logo desencadeia respostas somáticas, corporais e motoras de antecipação muito importantes para o processo de aprendizagem.
A vida emocional e ou afetiva humana, dita automática, não verbal e não simbólica é, evolutivamente, um fato psíquico primordial, ela decorre em primeiro lugar em comparação com a vida cognitiva, voluntária, racional e lógica, dita verbal e simbólica, tendo em consideração a hierarquia dos substratos neurológicos do cérebro (1-3).
A emoção e a afetividade ocorrem em primeiro lugar na espécie humana e no desenvolvimento da criança, a emoção é uma premissa psicofisiológica e psicomotora da vida afetiva da criança (4-7). A emoção é um fato psíquico inicial, onde se dá uma fusão ou simbiose primordial e uma integração sistêmica entre o biológico e o social.
Ao longo da infância é a emoção que abre o caminho à cognição, a lenta emergência da conscientização de si ou o sentimento de si (em termos psicomotores, é sinônimo de noção do corpo ou de somatognosia (8-12) na criança faz emergir a sua cognição, ou seja, as funções cognitivas superiores das aprendizagens humanas mais complexas, que se vão construindo e reconstruindo face à dinâmica das suas reações comportamentais emocionais e afetivas, evoluem a partir da integridade antecipatória das funções emocionais.
A dialética da ontogênese (13) põe em desafio, portanto, a emoção e a cognição: uma é inseparável da outra, nenhuma delas se pode conceber isoladamente, daí a importância das emoções na aprendizagem, sem emoção a aprendizagem é debilitada e comprometida. A maturação do cérebro humano e, consequentemente, todo o neurodesenvolvimento da criança que suporta as suas aprendizagens prospectivas, reforçam o papel da afetividade e da harmonia das interações emocionais precoces.
Vários autores, como Wallon (14-16), Spitz (17), Bowlby (18), Winnicott (19-21) e outros, chamam atenção para a importância do papel da vinculação e do apego ("attachment") nos primeiros meses de vida, pois as carências afetivas, a privação ou perturbação das relações mãe-filho comprometem todo o desenvolvimento mental futuro da criança.
Da mesma forma, se a relação precoce professor-aluno (ou professora-aluno ou aluna) não for facilitadora, mediatizadora e acolhedora, as aprendizagens escolares iniciais podem evocar sofrimento emocional, e hoje em muitas escolas, sabemos que há muitas crianças e jovens nessa situação (22-24). A emoção e a cognição juntam-se para produzir aprendizagem, exatamente porque a emoção emanada do organismo, ou seja, do corpo (múltiplas sensibilidades) e da sua motricidade (múltiplas motricidades) (8, 10, 11, 12, 25) por interação com o envolvimento, gera uma multiplicidade de fenômenos psíquicos complexos, a importância das emoções e da afetividade nas aprendizagens é obviamente inquestionável (Figura 1).

Figura 1: A emoção e a cognição incorporam-se na aprendizagem
A emoção, por ser menos objetiva e menos mensurável que a cognição, exatamente por ser uma característica e um dom da subjetividade da criança em situação de aprendizagem, tem sido menos estudada, mas ela faz parte do desenvolvimento da criança e é parte integrante das suas aprendizagens.
Sabemos que, nos primeiros anos, as crises emocionais são mais frequentes e veementes, por ilustrarem que elas funcionam como pedestal das funções cognitivas posteriores. Mas se surgirem crises emocionais ao longo dos processos de aprendizagem mais diferenciados, como no aprender a ler, escrever, calcular e resolver problemas, a socialização da criança e as suas dificuldades e transtornos de personalidade podem ficar irremediavelmente comprometidos.
Possuir um sistema cerebral operativo em termos emocionais e sociais é essencial para o desenvolvimento integral e holístico das crianças, nele cabem competências emocionais e sociais fundamentais para o seu sucesso escolar e seu sucesso na vida futura.
Falamos essencialmente de seis competências emocionais e sociais, a saber:
• de integração sensorial de sinais sociais;
• de raciocínio social;
• da teoria da mente;
• da afiliação e empatia; da autogestão de estados emocionais; e, finalmente,
• da avaliação de recompensas.
O sucesso escolar tem muito a ver com o sucesso emocional e social da criança, ou seja, com o perfil de competências emocionais e sociais que ela revela e expressa (Figura 2).

Figura 2: Sistema operativo emocional e social
Para corresponder às expectativas sociais dos pais e dos professores, a criança tem de aprender as competências escolares sem dificuldades específicas e permanentes, para isso, o seu cérebro tem de dispor do sistema operativo emocional e social que apresentamos acima resumidamente. Se apresentar dificuldades de aprendizagem continuadas, inesperadas e inexplicáveis, tal sistema pode claudicar e comprometer não só o sucesso escolar, mas o sucesso emocional e social que a criança necessita para se desenvolver plenamente.
As emoções, à medida que a criança cresce e se desenvolve, como que são reabsorvidas neurologicamente em benefício de outras formas de comportamento mais complexas e diferenciadas. A aprendizagem sugere assim, consequentemente, que inicialmente as emoções tomem a liderança, para mais tarde as cognições puderem fluir e se expandir. Em síntese, para aprender na escola a criança tem de exibir dois sistemas operativos, não só o cognitivo, a que se dá mais importância, mas também o emocional e social, que vamos analisar.
Para ter êxito escolar, o cérebro da criança tem de funcionar com integridade, quer no sistema operativo emocional e social (SOES), revelando as seis competências acima designadas, quer com plasticidade no sistema operativo cognitivo (SOC). Sem processar bem informação emocional e social, a criança tem muito que lutar e sofrer para aprender na escola, sublinhando mais uma vez a importância das emoções na aprendizagem (26).
A aprendizagem eficiente e com sucesso incorpora as emoções nas funções cognitivas da aprendizagem, seja a atenção, a análise perceptiva, a tomada de decisão, a regulação executiva, a memória ou a planificação de respostas motoras adaptativas, só com essa integração neurofuncional a aquisição de conhecimento pode ser construída. O sistema operativo cognitivo tem de incorporar o sistema operativo emocional e social, só dessa forma o cérebro internaliza e incorpora o que foi aprendido com a experiência.
As emoções modelam e organizam a cognição através da experiência e da prática deliberada, a apropriação ou incorporalização do conhecimento consciente arrasta consigo reações emocionais que levam o indivíduo a aprender com a experiência e a se modificar através dela.
Aprender com a experiência sugere uma interação íntima entre as emoção e a cognição, entre processos relacionados com o corpo e a motricidade e processos relacionados com o cérebro e a mente. A joia do organismo que aprende compõe-se, assim, de quatro diamantes que vão sendo lapidados com a aprendizagem e a experiência, com a emoção e a cognição.
As emoções integram processos relacionados com o corpo e a motricidade: sensações (interoceptivas, homeostáticas, proprioceptivas, tônicas e exteroceptivas), impressões, atitudes, posturas, acepções, percepções, noções, sentimentos, etc., quer sejam atuais quer simuladas ou cogitadas, que na sua diversidade e complexidade podem influenciar o pensamento, logo a aprendizagem. Em contrapartida, os pensamentos também podem desencadear emoções que tendem a interferir com a mente e o corpo (27).
Concomitantemente, as emoções também integram convergentemente processos relacionados com o cérebro e a mente: processamentos e análises de informação, memórias, planificações, estratégias de execução, tomada de decisão, integração de emoções superiores (sociais, morais, éticas), motivações intrínsecas, premunições, concepções, priorizações, raciocínios complexos, etc., que na sua transcendência podem influenciar igualmente os sentimentos.
Nesta perspectiva, as emoções podem ser vistas como forças agonistas ou antagonistas, impulsionadoras ou disruptivas, das cognições, sugerem a necessidade de regulação, supressão e controle, no interesse de atingir um raciocínio ou julgamento maduro, ou seja, no interesse de produzir respostas criativas e adaptadas aos problemas que surgem nas aprendizagens. Aprender, pensar, utilizar estratégias executivas e tomar decisões acertadas requer intuições relevantes, ou seja, funções emocionais profundas; é esse atributo da personalidade que caracteriza os seres humanos que aprendem e pensam com eficiência.
A aprendizagem eficiente e com sucesso, em síntese, incorpora a emoção na cognição, isto é, incorpora funções emocionais nos processos de aquisição de novas competências e de novos conhecimentos. As aprendizagens complexas não podem excluir as emoções, pelo contrário, envolvem a cultura e o aprofundamento de estados emocionais habilidosos e engenhosos.
Continua...
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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