Elaine Azevedo: "olhar para a sociedade com as lentes da comida"
- Por ONutricional
- 24 de mai. de 2017
- 4 min de leitura

Foi publicado na 44ª edição da revista "Sociologias" (ano 19, jan/abr 2017, p.276-307) o artigo da professora Elaine de Azevedo intitulado “Alimentação, sociedade e cultura: temas contemporâneos”. A revista é uma publicação quadrimestral do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFRGS, destinada a promover intercâmbio entre cientistas sociais nacionais e internacionais. Nutricionista, doutora em Sociologia Política na área de Sociologia Ambiental e Sociologia do Conhecimento Científico, e pesquisadora de pós-doutorado no Departamento de Prática de Saúde Pública, na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, a autora é professora adjunta do Departamento de Ciências Sociais do Centro de Ciências Humanas e Naturais da Universidade Federal do Espírito Santo. É coordenadora do Grupos de Pesquisa "Diálogos entre Sociologia e Artes e Ambiente e Sociedade" e membro da International Sociological Association.
A autora concebeu uma entrevista para o Observatório Brasileiro de Hábitos Alimentares (OBHA):
Por que você se interessou pelo olhar da sociologia para analisar o tema da alimentação e nutrição na sua trajetória acadêmica?
Elaine de Azevedo: Porque a formação em Nutrição ainda é muito estreita para pensar todas as dimensões socioculturais que me mobilizam e que podem ter a alimentação como tema transversal. Ou seja, eu me interesso em discutir poder, mercado, gênero, desigualdades, consumo, migração, relações sociais, globalização, saúde e doença, meio ambiente, ativismo, política, controvérsias sócio técnicas via alimentação. O que me encanta é olhar para a sociedade com as lentes da comida.
Quais foram suas motivações motrizes para desenvolver seu último artigo “Alimentação, sociedade e cultura: temas contemporâneos”?
Elaine de Azevedo: Além de ir ao encontro do meu interesse citado anteriormente, eu tinha o desejo de delinear um ‘estado da arte’ dessa área de estudo para conhece-la mais e fomentar futuras pesquisas empíricas, além de revelar a abrangência desse campo que eu considero tão instigante.
Em seu artigo, você cita possibilidades de relação deferentes e/ou inusitadas com a comida, a exemplo da geração Yum. Qual ou quais dela/s chama/m mais a sua atenção e/ou desperta/m curiosidade para novas pesquisas?
Elaine de Azevedo: Muitas temáticas despertam minha curiosidade e podem ser pesquisadas, eu as pontuei no final do artigo; para citar algumas eu remeto as chamadas Migratory Meals e seu papel no processo de integração dos imigrantes e refugiados; as novas formas de ativismo e fundamentalismo alimentares; as infinitas controvérsias ligadas a alimentação e os diferentes tipos de comensalidades contemporâneos.
Você discute, ao longo do texto, que o tema de alimentação e cultura já foi marginalizado na sociedade. Foi ou é marginalizado ainda? Quais elementos você pode compartilhar conosco que expressam essa notoriedade?
Elaine de Azevedo: Eu pontuei que a alimentação foi por algum tempo uma temática social negligenciada na Sociologia devido a clássica separação natureza-sociedade, por seu vínculo a uma atividade doméstica e sem glamour, de domínio tradicional das mulheres, cuja produção remete ao meio rural. Por isso, a alimentação ficou distanciada do apelo intelectual de teóricos masculinos que dominaram o início das Ciências Sociais, preocupados com uma nova disciplina assepticamente ‘cultural’ e que atuavam no meio urbano. Entretanto, atualmente a alimentação ganhou outro status. É um tema efervescente que chama atenção da mídia, dos leigos e dos especialistas. Falar de comida, comer e cozinhar mobilizam todas as sociedades. A ‘história por traz da comida’ e a relação entre alimento, saúde, ética e sustentabilidade nunca estiveram tão evidentes. Difícil é abarcar todas as nuanças dessas temáticas.
Você destaca o lançamento do OBHA em seu artigo. Qual relevância você percebe na existência de um observatório que trabalha os temas que perpassam os hábitos alimentares da população brasileira?
Elaine de Azevedo: Um observatório é um espaço legítimo de investigação e construção interdisciplinar e coletiva de conhecimentos sobre alimentação e nutrição. Nesse sentido, o OBHA tem um papel essencial na identificação de questões alimentares locais e na resolução de problemas identificados pelos diferentes atores que são afetados por eles. Eu penso que um dos grandes desafios de um observatório alimentar é garantir, democraticamente, o espaço e a voz das minorias que produzem alimentos e que comem de formas diferenciadas. As minorias excluídas da discussão acadêmica e distanciados de uma ciência elitizada. Um observatório permite garantir a legitimidade do conhecimento agroalimentar tácito que é tão precioso e tão vulnerável.
Como especialista na área de alimentação e cultura, quais suas expectativas em relação a um observatório com esta natureza?
Elaine de Azevedo: Nós construímos coletivamente uma poderosa e revitalizada política de segurança alimentar e nutricional (SAN) que considera o ato de comer em suas múltiplas dimensões – agrícola, social, cultural, ambiental, de promoção da saúde – como poucos países conseguiram desenvolver. Incluímos diversos atores sociais e setores nessa discussão e somos respeitados no mundo todo. E essa política se encontra atualmente ameaçada, como tantas outras políticas ambientais e de bem-estar social. O observatório é mais uma estratégia que temos na defesa dessa importante conquista. O que eu espero é que o Observatório seja mais uma voz potente para defender nossa soberania e nosso patrimônio alimentar e também o direito de todo brasileiro a uma alimentação de qualidade. Mais um clamor para garantir a sobrevivência da nossa preciosa política de SAN.
Reproduzido do site do Observatório Brasileiro de Hábitos Alimentares (OBHA).
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