“Bruno Ganz”
- Joralima
- 17 de fev. de 2019
- 3 min de leitura

Por Jorge A. de Lima
(Revisado às 15h13)
Certamente, algum bom estatístico poderá corrigir a impressão geral de que estamos tendo tragédias demais, perdas demais e dores demais nesse começo de 2019. Mas, com efeito, os dissabores pelas perdas não diminuirão nem mesmo diante das mais frias assertivas matemáticas em contrário. O ânimo geral não está nada bom.
Escrevo a partir da notícia da morte do ator suíço Bruno Ganz, conforme acabou de ser publicada na Folha de S. Paulo. Não sou afeito a acompanhar o mundo das celebridades, mas, tenho que admitir que fiquei comovido.
Talvez minha propensão à comoção se deva mais porque, nessa semana, eu tenha ficado diante da possibilidade de perda do meu querido cachorrinho, Tony Ramos Rex, que me acompanha já há quase 10 anos. Ele esteve meio mal das pernas (melhor seria corrigir “das patas”) – chegou a perder 15% do peso em menos de 7 dias e ainda não está bem.
Não, eu não estou comparando a perspectiva de morte do meu adorável cão com a realidade das várias tragédias pessoais, nacionais e planetárias que andam acontecendo mundo afora. Mas estou dizendo, sem sombra de dúvida, que o sentimento de perda se instalou dentro de mim e me sensibilizou. É como se, sem que eu percebesse, alguém tivesse aberto uma janela para a dor.
Claro que, como muitos, eu fiquei chocado com a morte do jornalista – pela audácia do destino de nos pregar esse susto sem o mínimo sobreaviso (não seria um susto se fôssemos avisados – eu sei). Também fiquei consternado com a morte dos jovens jogadores, pelo reiterado desrespeito das eternas gambiarras brasileiras. E, indubitavelmente, a lama que encobriu dezenas e, quiçá, centenas de pessoas, tragando-lhes a vida, causou angústia, vergonha e revolta ao país inteiro.
No caso do ator europeu, ao ler uma versão resumida de seu obituário, percebi que meus olhos cruzaram algumas vezes com seu trabalho nas telas do cinema – sem que eu me desse conta disso. É o caso, por exemplo, do filme “Asas do Desejo”, do cineasta Wim Wenders. Houve um momento, acho que na década de 1990, que Wim Wenders estava na moda e era comum se assistir a tudo que dele chegasse por aqui. Tenho na memória que gostei muito de ver o filme e sei que preciso assistir de novo (mas não por agora, pois, se bem me lembro, o filme é ligeiramente triste – ainda que belo).
Já com a obra “Pão e Tulipas” a memória está sendo mais boazinha comigo: lembro-me do ator e lembro-me vivamente de ter gostado muito do filme, que se passa em Veneza e tem diálogos e momentos tocantes. Vale muito a pena rever – inclusive pelas imagens sempre encantadoras de “a Sereníssima” (como é conhecida a cidade italiana cenário do filme). Vou tentar fazê-lo o quanto antes.
Com relação ao filme “A Queda”, mesmo entre aqueles que não o viram, o ator não passaria despercebido, tamanha a quantidade de paródias construídas em cima da marcante cena em que o ditador tem uma ríspida reunião com seu alto comando. Normalmente, o efeito das legendas falsas é cômico, embora a cena seja de uma dramaticidade ímpar.
Ouso afirmar que, depois de “A Queda”, é impossível separar o Hitler histórico do Hitler cinematográfico vivido por Bruno Ganz. Acho até que se trata do mesmo efeito da atuação da também brilhante Helen Mirren: a própria rainha Elizabeth II “copiou” as caras e bocas da personagem homônima quando foi posar para uma foto oficial em momento posterior ao filme “A Rainha”: são casos de personagens que se tornam mais reais do que as próprias pessoas representadas.
Por isso, creio que Bruno Ganz fará grande falta. Aliás, todos esses que partiram o farão, pois, acompanhando o senso comum, eu também creio que Dona Morte esteja mesmo sendo ridiculamente seletiva em suas escolhas. Tetricamente, muitos de nós, se consultados, indicaríamos outras pessoas menos relevantes e bastante inoportunas para preencherem essa triste e necessária estatística anual de perdas.
Espero, contudo, que pelo menos meu cachorrinho sobreviva a esse ano que ameaça ser memorável no que tem de pior.
Itanhaém, 16 de fevereiro de 2019.
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