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A poltrona do papai

  • Por Jader Andrade
  • 20 de mai. de 2018
  • 2 min de leitura

Por Jader S. Andrade

Ela veio como herança.

Assim que meu pai faleceu, meu irmão e eu decidimos fechar a casa onde nossos pais estavam morando. Não fazia sentido minha mãe, com sinais de fase moderada da Doença de Alzheimer, continuar residindo no interior, sem nenhum dos filhos por perto. Decidimos logo pela transferência dela para São Paulo e passamos à divisão das coisas. Não houve muita discussão, acho que no fundo, ambos queríamos objetos que fizessem algum sentido pra nós.

Logo quis a poltrona de meu pai, pessoa reservada em expressar emoções, silencioso em seus desejos e simples em seus hábitos.

A cadeira , pomposa, com um encosto de rattan fino e maleável, de cor mogno de um tom mais escuro que o da estrutura do móvel, fora escolhida para o presente do dia do pais. O assento coberto por um chennille de trama mais fina, de cor bege escura era bem confortável. Minha mãe a escolhera, como era seu hábito, após pesquisar bastante.

Buscou em várias lojas, antes nos apresentar sua idéia brilhante. Seus presentes sempre eram algo que ninguém havia dado até então e não podia ser repetido. Depois de um tempo, dar presentes virara algo cansativo pra ela, pois queria sempre se superar em criatividade. Seus presentes passaram a ser designados na família, de modo entusiasmado, como coisas de Neuza! Tentei seguir seu exemplo durante um tempo, mas rapidamente percebi que não conseguiria manter sua mesma capacidade.

O presente chegou com certeza alguns dias antes do domingo dos Pais.

Foi colocado ao lado da cama deles, num canto do quarto, ao lado da pequena cômoda onde ficava a televisão. Ele usava este aparelho para assistir ao MG TV e a alguma novela que acompanhava no horário mais cedo, antes do jantar, pois evitava se envolver com os ruídos da casa. Precisava sempre virar a cadeira para poder assistir qualquer coisa. Mas nunca o vi se queixar disto. Acho que gostava dos carinhos de sua esposa, que vinham também na forma de presentes, embora não demonstrasse isto em palavras. A alguém menos avisado poderia até parecer que não gostasse dos presentes que ganhava. Foi só muito mais tarde, quando a doença dela avançava que eu o vi desconsolado, expressando-se com visível desalento. Sempre me perguntava se não havia surgido nada para a cura do Alzheimer. Inconformado.

Por anos esta cadeira foi seu local para as leituras diárias, livros, jornal… e era onde se sentava para jogar xadrez consigo mesmo, com o tabuleiro sobre a cama, seguindo um livro que achava nas livrarias no centro da cidade.

A cadeira hoje ao lado da minha cama, já com estofamento precisando trocar as espumas, que se gastou com seu peso ao longo dos anos, ainda guarda seu brilho encerado, reluzindo a madeira de lei. Acena pra mim diariamente. Uma companhia muda, sólida e firme que não requer palavras nem movimentos para me lembrar dos valores que ele me transmitiu e que continuam a vibrar em mim.

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