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Trezes de Maio

  • Joralima
  • 13 de mai. de 2018
  • 3 min de leitura

Por Jorge de Lima

No delicioso longa-metragem de animação “Ratatouille”, há uma típica conversa entre irmãos, na qual Rémy, o protagonista, lembra ao irmão, Emile, que se poderia escrever um livro com todas as coisas que o pai de ambos não sabia. Penso que, no meu caso, seria ainda pior: poderia se escrever uma enciclopédia inteira com todas as coisas que eu não sei – e que talvez eu devesse saber.

Essa mea-culpa introdutória serve para que eu mesmo me reprima pela vasta extensão da minha ignorância – como bacharel em letras, professor de português e negro – sobre fatos relacionados, por exemplo, a Lima Barreto e ao dia no qual se celebra a Abolição Formal da Escravidão no Brasil. Acrescenta-se mais um dado vexatório: por ironia do destino, trabalhei alguns anos no Departamento de História da Universidade de São Paulo, onde lecionou o brilhante e saudoso Prof. Nicolau Sevcenko – que conduziu pesquisas sobre Lima Barreto e escreveu um livro que resgatou em grande medida esse escritor (“Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República”).

Uma rápida busca na internet entrega as informações básicas sobre o escritor: ele nasceu no Rio de Janeiro, cidade ainda escravista, em 1881, onde morreu em 1º. de novembro de 1922. Neste intervalo, escreveu clássicos da nossa literatura, como “Recordações do Escrivão Isaías Caminha” (1909), “Triste Fim de Policarpo Quaresma” (1911), “Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá” (1919) e “Os Bruzundangas” (1922). Postumamente, consta que foram publicadas suas memórias e os textos “Clara dos Anjos” (1948) e “Cemitério dos Vivos” (1956).

Eu li, academicamente, “Triste Fim de Policarpo Quaresma”: fazia parte da lista de livros que precisavam ser lidos para uma determinada disciplina. Talvez por isso, talvez por eu ser jovem – ou sabe-se lá por qual outro motivo – eu não gostei do livro. Até aqui, nenhuma novidade, pois eu também não gostei de vários livros pelos quais, em novas leituras, eu me apaixonei perdidamente (“Memorial do Convento”, de José Saramago, é um deles). Lembro-me, contudo, de ter gostado dos contos de Lima Barreto – algo relacionado, se não me engano, com o título “Nova Califórnia”.

Verdade que, na época, não associei Lima Barreto aos negros. Isso, aliás, já tinha me acontecido com Machado de Assis – o qual, só depois de muitos anos, fui perceber que era mulato – a partir de novas imagens de arquivo sobre o fundador da Academia Brasileira de Letras. Verdade: nas capas dos meus livros, Machado de Assis era “quase loiro”...

Hoje, contudo, a partir da provocação do editor de ONutricional, fui atentar para esses fatos todos: Lima Barreto negro e nascido no mesmo dia 13 de maio tão emblemático para a sociedade brasileira.

Particularmente, eu nunca gostei do Treze de Maio. Penso que o Vinte de Novembro, Dia da Consciência Negra e consagrado a Zumbi de Palmares, seja uma data mais importante para o negro, por representar alguém que lutou pela causa. O Treze de Maio lembra-me muito mais o famigerado passado escravista do Brasil – e, também, da humanidade que, em outras épocas, subjugou semelhantes e os transformou em escravos.

A humanidade, como diria Renato Russo, é desumana.

Esse Treze de Maio marca, de fato, uma abolição apenas formal da escravidão, uma vez que, pela maneira como foi posta, como ato de generosidade da elite monárquica, despejou os negros escravos na rua, sem grau de instrução algum, sem reparação financeira alguma, sem nenhuma política pública, nos condenando (desde então e ainda hoje) a enfrentar sequelas enormes desse humilhante período da nossa história. Há que se celebrar o Treze de Maio, sem dúvida, mas ainda há muito para se lamentar e se fazer em relação a isso tudo.

Dentre o muito que há para se fazer, reconhecer a contribuição cultural de muitos negros ao longo da história talvez seja um primeiro caminho. Algo que pretendo fazer, para tentar diminuir a extensão da minha vasta ignorância: vou revisitar a obra de Lima Barreto e conhecer melhor esse importante escritor negro brasileiro que hoje aniversaria nesse outro Treze de Maio.

Serviço

Nicolau Sevcenko

Literatura como Missão: tensões sociais e criação cultural

na Primeira República

420 páginas

ISBN 85-359-0409-3

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