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Achismos na Reforma do Ensino Médio ou Educando por Decreto

  • Joralima
  • 5 de out. de 2016
  • 4 min de leitura

Por Jorge Alves de Lima

Acho temerário comentar notícias, pois elas são sempre feitas para vender jornal e nem sempre feitas para informar. Também acho complicado comentar um documento sem tê-lo lido na íntegra – ainda mais quando se trata de um dispositivo legal, que eu acho mais apropriado para a leitura de juristas ou de especialistas da matéria nele versada. E, claro, acho pouco produtivo comentar assuntos dos quais não entendo patavinas – e não acho, em conclusão, que eu vá acrescentar nada de novo à discussão do tema em si.

Feitas essas ressalvas, acho estranho que a tal da reforma do ensino médio (que parece significar a mais profunda alteração já feita na atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB) seja proposta por medida provisória.

Se bem me lembro, quando criado, o famigerado instituto da medida provisória pretendia disciplinar os atos legislativos do poder executivo que, na prática, usurpava as prerrogativas do poder legislativo – ao editar normas legais, geralmente via decreto-lei. Tratava-se de um tempo sem demandas democráticas, quando os ocupantes militares do poder estavam encarregados de salvar o país de sabe-se lá o que. Assim, se não me falha a memória, um decreto tinha um prazo de tramitação que, quando esgotado sem apreciação legislativa, era convertido em lei por decurso de prazo. E pronto!

O decurso de prazo, me parece, era uma ferramenta tão insidiosa quanto à recorrente “prescrição” – a mesma que, após toda sorte de embaraços e recursos protelatórios, permite que algumas condutas criminosas e certos desvios sejam perdoados sem serem necessariamente objetos de um julgamento. Geralmente, o criminoso conta com isso.

Com a medida provisória, se conservou a possibilidade de o executivo criar leis, o que é, ademais, um despropósito, pois o legislativo existe exatamente para isso. A justificativa tem sido a necessidade de respostas rápidas para determinados assuntos. Diferentemente do modelo anterior, o decurso de prazo passou a invalidar o ato do executivo, portanto, não mais se convertendo em lei.

O que pareceu um ganho foi logo se mostrando um achaque: como se verificou que a letargia dos parlamentares poderia seguir sendo um problema para a pressa do executivo, foram criados instrumentos para aumentar a “vida útil” das medidas provisórias e para provocar a ação nas casas legislativas em tempo hábil (afinal, os legisladores têm mais o que fazer do que ficar legislando todos os dias). Assim, uma medida provisória, decorrido certo prazo sem apreciação, tranca a pauta da casa parlamentar. É quase uma chantagem.

Mesmo com isso, seguiu o carnaval, com medidas provisórias sendo editadas para praticamente tudo. Por exemplo, a Agência Nacional de Cinema (Ancine), importante, sem dúvida, foi criada por medida provisória (MP 2228-1/2001). Certamente, havia alguma urgência – e eu apenas não consegui captar.

Deu-se que decidiram que os temas das medidas provisórias, além de urgentes, não poderiam ser sobre matérias privativas do parlamento. Não sei se isso pegou, já que vivemos num país no qual as leis se aplicam na medida que “pegam”; caso contrário, tornam-se letra morta (boa parte da Constituição Federal, por exemplo, que não é uma lei qualquer, ainda não foi regulamentada – portanto, não “pegou”).

Faltou incluir, e talvez o futuro nos traga isso, que uma medida provisória não deve ser editada sobre temas que interessem ser discutidos com profundidade pela sociedade, situação na qual uma variedade de assuntos se enquadra.

Assim, postos todos esses achismos sobre leis e afins, chega-se ao âmago da questão que é entender os motivos de o governo federal ter preferido que a reforma do ensino médio – um tema que afeta tanta gente e que já é urgente há tanto tempo – fosse para o Congresso Nacional via medida provisória (746/2016).

Mas eu acho, de verdade, que um tema dessa envergadura deveria ser construído conjuntamente, envolvendo não só professores, alunos, pais e pesquisadores da educação, mas legisladores, secretários de educação, coordenadores pedagógicos, presidiários, empresários, prostitutas, vendedores de bilhete de loteria, banqueiros, políticos, bêbados e equilibristas.

Deveria ser assunto na novela, no cabeleireiro, nas discussões do vestiário, em histórias em quadrinho, em conversas de bar. Tanta gente pode ter tanto a dizer sobre a educação – ainda que boa parte possa não ser minimamente exequível, mas ser legítima, pois seria o povo discutindo como quer ser educado. Simplesmente porque todo mundo passou, passa ou passará (ou deveria) pelo ensino médio. E simplesmente porque não é um assunto para apenas os 120 dias de debates ensejados na apreciação de uma medida provisória.

Se é que vai haver algum debate, pois, no nosso “semipresidencialismo”, tendo o executivo maioria no legislativo, os assuntos às vezes nem são debatidos pelos parlamentares: são decididos pelos líderes partidários e vão a plenário já “aprovados”. Depois, são decretados pelo presidente do Congresso Nacional, sancionados pelo presidente da República, publicados no Diário Oficial e ignorados pelo povo.

Sim, porque esta é a resposta da sociedade – e nisso o Brasil inovou: se uma lei não representa os anseios do povo ela não pega, sendo simplesmente esquecida. Fica a dica.

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